sexta-feira, 2 de março de 2012

Manoel de Barros e outras coisas


Uso um deformante para a voz.
Em mim funciona um forte encanto a tontos.
Sou capaz de inventar uma tarde a partir de uma garça.
Sou capaz de inventar um lagarto a partir de uma pedra.
Tenho um senso apurado de irresponsabilidades.
Não sei de tudo quase sempre quanto nunca.
Experimento o gozo de criar.
Experimento o gozo de Deus.
Faço vaginação com palavras até meu retrato aparecer.
Apareço de costas.
Preciso de atingir a escuridão com clareza.
Tenho de laspear verbo por verbo até alcançar o meu aspro.
Palavras têm que adoecer de mim para que se tornem mais saudáveis.
Vou sendo incorporado pelas formas pelos cheiros pelos sons pelas cores.
Deambulo aos esgarços.
Vou deixando pedaços de mim no cisco.
O cisco tem agora para mim a importância de Catedral.


MANOEL DE BARROS




*♥*♥*♥*♥*♥*♥*


Volto ao passado, às aventuras, às tentativas de fazer das minhas capacidades manuais um sustento que substituísse aquelas outras de onde tirava, vinha minha subsistência, nunca consegui ir adiante. Hoje tenho clareza do porque. Foram as pinturas em camisetas, pinturas em objetos dos mais variados em cerâmica e gesso, as caixinhas de madeira, teve a feitura/costura de bolsas, bordados, coisas que fazia com canudos de jornal e por aí ia e ainda vou. Numa destas, comprei uns tantos metros de etamine, não a branca, que estava em promoção, era pra acabar, levei toda a metragem. A intenção era fazer aqueles suportes para colocar à mesa nas refeições, o tal ‘jogo americano’, e nem sei porque tem este nome.


Tenho uma sacola cheia de revistas, daquelas faça você mesmo, ensinando pinturas em tecidos dos mais diversos, camisetas, jeans, pano de prato, seda, pintura em madeira, técnicas das mais variadas, tintas de tudo quanto é tipo, trabalhos com jornal, com canos de papelão, revistas ensinando bordados com pedrarias, miçangas, lantejoulas, fuxicos, revistas de costura, bonecas, bolsas, biscuit, uma misturança de artes e artesanatos que incluem os moldes e riscos.


Dou continuidade ao caso da etamine. Pois bem, cortei dois pedaços, retangulados com as pontas arredondadas, para fazer os tais suportes e escolhi uma das revistas com motivos de facas, garfos, colheres, coisas de uma cozinha. Transferi o risco de umas facas, umas colheres e uns garfos dispostos, não aleatoriamente, pelo tecido, peguei as tintas, usaria as mesmas cores da revista.


A nossa relação com as cores é algo tão forte, nos ligamos aos tons de forma bem profunda. São as cores das bandeiras, de nossas vestimentas, as usadas em terapias, cores das situações, dos sentidos e significados que as atribuímos. Penso nas relações também feitas com os animais e fico triste pelo tucano, ave tão bonita e colorida que nada sabe e é esculhambado por representar um partido de degradações, é um sacrilégio.


Mas, voltando. Peguei um dos retângulos arredondados e comecei a pintar, então foi que reparei nas cores escolhidas pela revista, azul, vermelho e branco e me veio uma bandeira de um certo país. A bandeira dos Estados Unidos, senti um arrepio. Não troquei as tintas, continuaria naquelas cores, só que do meu jeito. Depois de pintados os talheres não me dei por satisfeita, fui e fiz listras negras por cima. 
Uma pessoa vendo aquilo perguntou – Delvais, você acha que alguém vai comprar isto e colocar à mesa? E eu – Não sei, eu compraria. O trem já tinha descambado. Não fiz o acabamento em volta e usei durante muito tempo de forro para uma pasta.
 


O outro já estava com os riscos passados, peguei mais potinhos com tintas de cores variadas e fui pintando. Saiu isto:
Depois de recortado grudei atrás para dar firmeza um emborrachado, e v a, virou quadro.
E o resto da etamine, virou um pano pintado que teve algumas utilidades, hoje fica mais guardado de lembrança, pois está com uns esgarços que foram remendados com fita adesiva transparente.

8 comentários:

Jorge Pimenta disse...

o homem e os limites para as suas [des]invenções...

deleito-me com os pedaços de ti que bordas nas fitas do tempo, alegoria de promontórios e viagens, destino dos olhos.

beijinho!

o refúgio disse...

Ah, moça!

Queria você como sócia nos meus empreendimentos artesanais e de costura de uns anos atrás. Faltou-me pique e desisti de tudo... Quem sabe um dia eu não retomo? Agora tá difícil... Adorei suas artes e pode crer: eu compraria!
Manoel de Barros? Gosto por demais!

Beijão, linda!

Unknown disse...

Barros se misturou com toque magistral em seus artesanatos que inspiram poesia,


beijo

Vais disse...

ai, Jorge, eu e meus pedaços, nós e nossos pedaços, nossas limitações que numas situações era bom que não existisse, sem barreiras, fronteiras, correndo livre
e fique à vontade nos deleites

beijinhos


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êta, Sandrinha, nós duas fazendo arte, íamos pintar e bordar um tanto bem bom ♥
olha, e bem sei que você compraria :)
Também aprecio por demais este Monoel
grata, querida, e beijão

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de como o Manoel de Barros entrou nesta postagem.
fico num encantamento só com algumas interligações, concordando com a Dani quando ela coloca que tudo tá interligado, mesmo as sinistras que apavoram ao invés de encantar.
escrevo em agendas ou papéis soltos porque são mais fáceis de achar e carregar pra qualquer lugar, é muito raro sentar no computador primeiro, a digitação vem depois e esta postagem não foi diferente e aconteceu do uordi criticar a palavra esgarços, fui pesquisar no google e foi que achei este do Manoel de Barros, e correu aquela sensação bem boa.


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Assis, fico honrada com este toque magistral e honrada pelas possíveis inspirações poéticas
é de um prazer sem igual

beijo grande

Anônimo disse...

eu comprava!!!!

[tenho tantos papéis a precisarem de uma pasta]

beijinho
LauraAlberto

Vais disse...

:)))))
grata, Laura

mas pra você, pra Sandrinha seria dado de presente

beijinhos

Anônimo disse...

:)
obrigada Vais!!!
O presente foi entregue, acredita!!!
Beijinho

Vais disse...

uai, Laura, não há de quê, é uma satisfação :)
eu acredito!!!

beijo grande

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