de Marcantonio em http://diarioextrovertido.blogspot.com.br/
ACERCA
DE UM MURO
Tudo
tem uma razão
E
essa parece ser a maior loucura.
Tudo,
tudo.
Mesmo
esse musgo,
Hemangioma
verde na face do muro,
Insurgência
de respiros
Esquecidos
e mudos.
Há
mesmo vida nisso?
Nesse
indício de que nada jamais
Está
abandonado?
Sequer
um muro que separaria
O
banal do insignificante.
Mas
tem razão suficiente também
Tudo
o que não está do lado de lá
Ou
de cá do muro, mas em seu íntimo poroso.
Pode
haver razão para que um fio de cabelo
Tenha
se agregado à argamassa,
Se
um cabelo tem biografia
Até
o ponto em que fugiu de uma cabeça
Igualmente
murada,
E
para a alvenaria daquela cabeça eram os cabelos
Como
musgo.
E o
fio de cabelo antes externo ao crânio,
Agora
estaria interno ao muro e haveria razão para isso.
Mas
de quem seria tal cabelo ninguém perguntaria,
Sem
perceber que ele é uma espécie de digital
Em
filamento que o vento leva,
O
vento também nunca eventual e cheio de razões.
Pior:
pode ser que o muro sepulte
Algum
fragmento de pele ou uma gota de sangue
De
um pedreiro que se ferira.
Seria
uma involuntária assinatura,
Pois
nenhum pedreiro assina e data um muro,
Embora
possa reter esse muro um afresco invisível
Do
esforço inexpressivo do pedreiro,
Num
momento de sua vida em que, talvez,
Sua
filha estivesse enferma ou sua mulher grávida,
Ou
quando estivesse pensando em ter de comprar
Carne
para o almoço do dia seguinte,
Tantos
e tantos tijolos depois.
E
deve ter havido razão para que esse pensamento
Ocorresse
à altura do assentamento do nonagésimo
Nono
tijolo.
Ah,
esses tijolos têm suas razões, e o próprio emboço
Que
a eles oculta como ossos ou músculos
De
um corpo que não irá a lugar algum,
Salvo
quando for demolido e removido
Na
forma de entulho,
Tal
como os corpos que se movem e têm vontade
Também
o serão.
Tem
igualmente a demolição razões que julgamos sombrias.
E
esse monturo prolixo que se acumula na base do muro,
Partes
reagrupadas sob o desígnio de lixo,
Também
tem sua razão.
A
ratazana que percorre o muro à noite e alcança um telhado
Também
tem sua razão.
E o
pardal que nele pousa e ali bica qualquer coisa,
Uma
merdinha de grão,
Também
tem sua razão.
Só
a palavra que grafitei de passagem no muro,
Embora
as tenha, não quer ter razões.
E
isso é uma loucura maior ainda.
2 comentários:
e a razão: nenhuma ou todas
beijo
a não razão é, também ela, uma razão?
determinismo e circunstancialidade: onde começa a lógica e acaba o arbitrário?...
beijinho, vais!
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